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Comunidade do Charco na Baixada Maranhense, palco de
conflitos agrários no Estado.
Foto: Renata Neder/Anistia Internacional
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No dia 30 de outubro de 2010 – há
exatos quatro anos, o líder camponês e quilombola Flaviano Pinto Neto
sofreu uma emboscada. Josué Sodré Sabóia, que segundo as investigações era
chefe de um grupo de extermínio, deu sete tiros no camponês, que morreu instantaneamente.
Segundo consta, o assassinato foi feito a mando de grileiros com
interesses na região onde fica a comunidade quilombola do Charco,
município de São Vicente Férrer, na Baixada Maranhense.
O assassinato se transformou num
símbolo da gravidade dos conflitos de Terra no Maranhão e mobilizou entidades
maranhenses como Comissão Pastoral da Terra – CPT ; a Federação dos
Trabalhadores da Agricultura – FETAEMA; a Comissão de Direitos Humanos da
OAB, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e Cáritas. A extensão dos
prejuízos econômicos, sociais e sobretudo humanos, dos conflitos agrários no
Maranhão, representados na morte de Flaviano, chamaram também a atenção de
instituições internacionais.
A Anistia Internacional é uma
organização não governamental célebre no mundo por investigar denúncias de
torturas, prisões políticas, execuções e violações de direitos humanos. A
organização atua desde os anos de 1960 e no Maranhão acompanha os conflitos agrários
desde 2010 com ênfase nos desdobramentos dos conflitos como o
quilombo Pontes (em Pirapemas), a comunidade Santa Maria dos Moreiras (em
Codó), e da própria comunidade do Charco, onde Flaviano foi
assassinado.
Segundo a Anistia Internacional, em
2014 – até outubro – já foram cinco lideranças rurais mortas no contexto da
luta pela terra no estado.
Trago a seguir uma entrevista que fiz
com Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional no
Brasil, que esteve na Baixada Maranhense no início do mês de outubro,
acompanhando de perto os conflitos na região:
Qual o objetivo da “Maratona das
Cartas”, realizada pela Anistia Internacional?
Renata Neder – A Maratona de
Cartas é um evento que acontece todos os anos no mês de dezembro por ocasião do
dia 10 de dezembro, o dia internacional dos direitos humanos. A cada ano,
alguns casos emblemáticos de defensores de direitos humanos ou comunidades em
situação de risco são escolhidos e há um esforço coordenado para fazer ações de
campanha em defesa desses casos. As principais atividades envolvem coleta de
assinaturas e envio de cartas para as autoridades competentes com o objetivo de
colocar pressão para que as devidas medidas sejam tomadas em defesa daquele
defensor de direitos humanos ou daquela comunidade. A campanha é também uma
oportunidade para dar visibilidade – especialmente na imprensa – a cada um
desses casos que, normalmente, sofrem de certa invisibilidade em relação à
sociedade como um todo.
Qual foi a receptividade junto às
comunidades quilombolas visitadas?
Renata Neder – Visitamos a
comunidade do Charco, que fica localizada nos municípios de São João Batista e
São Vicente Férrer, e fomos muito bem recebidos. Os moradores deram depoimentos
sobre a história da comunidade e seu cotidiano e o conflito agrário na região.
Eles também relataram os detalhes das ameaças e ataques que já sofreram por
parte de fazendeiros locais, como por exemplo o incêndio da sede da associação
de moradores e o assassinato de Flaviano Pinto Neto, presidente da associação,
em 30 de outubro de 2010. Os moradores do Charco entendem a importância de sua
mobilização para avançar na realização do seu direito à terra e também na luta
por justiça. A articulação com a Anistia Internacional é um dos elementos dessa
mobilização em busca de seus direitos.
Que avaliação você faz da situação
dos territórios quilombolas no Estado?
Renata Neder – O conflito por
terras no Maranhão leva a diversas situações de violações de direitos humanos.
Há diversas denúncias de ameaças e ataques a comunidades rurais e quilombolas,
assim como a suas lideranças.
O estado do Maranhão é marcado por um
histórico de conflitos por terra e violência contra trabalhadores rurais e
comunidades quilombolas. Os dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra
indicam que 34 pessoas foram assassinadas em decorrência de conflitos por terra
no Brasil em 2013, sendo três delas no estado do Maranhão. Em 2014 – até
outubro – já foram cinco lideranças rurais mortas no contexto da luta pela
terra no estado. Na maior parte das vezes, esses crimes permanecem impunes. Não
há a devida investigação desses assassinatos e os casos não são levados a
justiça. Esse quadro de impunidade acaba alimentando um ciclo de violência no
campo.
O processo de identificação e
titulação de comunidades quilombolas no estado do Maranhão é bastante lento.
São cerca de mil comunidades quilombolas no estado, das quais pouco mais de 400
já tiveram o certificado emitido pela Fundação Palmares. Mas o número de
comunidades que teve o RTID concluído não chega a dez. A comunidade do Charco é
uma delas.
E essa lentidão no processo de
titulação das comunidades quilombolas deixa essas comunidades expostas a uma
situação de risco de ameaças e ataques por parte de fazendeiros locais.
Como a Anistia Internacional tem
atuado em relação aos conflitos agrários no Estado?
Renata Neder – Desde de 2010 a
Anistia Internacional tem acompanhado, através de organizações locais como a
Comissão Pastoral da Terra, as violações decorrentes de conflito por terra no
Estado, especialmente ataques e ameaças a defensores de direitos humanos e
comunidades rurais e quilombolas. Até o momento, a atuação da Anistia
Internacional foi reativa à situações de ameaças graves ou risco iminente
através de um instrumento de mobilização chamado “Ação Urgente”. A “Ação
Urgente” é um chamado da Anistia Internacional para que seus membros e
ativistas se mobilizem e enviem cartas, e-mail ou faz para as autoridades
chamando a atenção para uma situação de risco imediato e pedindo a proteção – e
outras medidas cabíveis – para garantir a segurança do defensor de direitos
humanos ou da comunidade em risco. Diversas “Ações Urgentes” foram lançadas
desde 2010 em defesa de lideranças, defensores de direitos humanos e
comunidades no Maranhão, tais como o quilombo Pontes (em Pirapemas), a
comunidade Santa Maria dos Moreiras (em Codó), o líder comunitário José da Cruz
da comunidade quilombola Salgado, e também da própria comunidade do Charco.
No entanto, compreendemos que
violações decorrentes de conflitos por terra tem causas estruturais e ações
reativas a situação de risco iminente, embora extremamente importantes, não são
suficientes. Por isso, a Anistia Internacional decidiu começar a ampliar sua
atuação em defesa do direito de comunidades quilombolas no estado do Maranhão.
Essa missão da Anistia Internacional ao Maranhão em outubro de 2014 foi o
primeiro passo para isso.
A Anistia Internacional buscou algum
tipo de posicionamento das autoridades em relação ao agravamento dos conflitos
de terras no Maranhão?
Renata Neder – A Anistia
Internacional sempre busca dialogar e ouvir as autoridades e instituições
envolvidas em um determinado caso de possível violação de direitos humanos,
tanto para obter informações oficiais sobre o caso quanto para ouvir o
posicionamento das autoridades diante de denúncias. E, finalmente, quando uma
campanha é lançada, buscamos as autoridades competentes para apresentar nossas
preocupações, recomendações e eventuais demandas.
Nesta primeira missão da Anistia
Internacional ao Maranhão, conversamos com representantes do Ministério Público
Federal e da Defensoria Pública da União que atuam no caso da comunidade do
Charco. Ainda iremos conversar com outras autoridades de instituições
relevantes no caso para obter mais informações e ouvir seus posicionamentos.
Jornal Pequeno / Blog da Lígia Teixeira