Vez por outra alguém tem uma idéia sobre uma lei que a primeira vista parece interessante. Foi o que aconteceu no caso da Lei Complementar 135, carinhosamente chamada de “Ficha Limpa”. Convocada a contribuir com assinatura a população atendeu e chancelou a proposta. Ajeita daqui e dali e aprovou-se uma lei que prometia exterminar a corrupção com um só tiro.
O fato é que toda lei tem que estar de acordo com o que fala a constituição. Embora as duas casas do Congresso Nacional tenham comissões que avaliam à adequação dos projetos de lei aos preceitos da Carta Magna, não raro elas passam batido. Quando isso acontece, os tribunais podem deixar de aplicá-las com base no princípio de que nenhuma norma pode ir contra a lei maior que a é Constituição.
O problema de achar a lei constitucional ou não, segue até que o Supremo Tribunal Federal exerça o controle - que é sua função - e dê a palavra final sobre a validade dela.
Longe de ser uma obsessão legalista de juristas, o respeito à constituição é fator básico das liberdades, garantias e direitos de qualquer cidadão. É a Carta Magna que garante coisas fundamentais como a livre expressão de idéias, a certeza de que se você for processado terá ampla oportunidade de defesa, que qualquer um de nós sempre será inocente até que fique provado o contrário, além do direito de trabalhar, ter propriedade, saúde, educação e etc.
Imaginem que nem sempre foi assim. Não faz muito tempo, um jornalista ou intelectual discordante podia ser arrancado de casa e levado preso sem processo e ao bel-prazer dos poderosos; sem julgamento pessoas eram torturadas e executadas... Eram tempos em que as constituições eram fracas e os governos ditatoriais, fortíssimos.
Não por acaso o principal argumento dos militares de 64 para “prender e arrebentar” era o mesmo combate à corrupção de hoje.
O pior de tudo é que muitos corações puros e mentes bem intencionadas não acordaram para o perigo de quebrar as regras do devido processo legal e da presunção de inocência. A Lei da “Ficha Limpa”, em consonância com a turba enfurecida diz: todos os acusados de corrupção são culpados até que se prove o contrário.
O que a constituição pronuncia com todas as letras é que: “ficha limpa” é qualquer cidadão que não tenha sido condenado por sentença judicial transitada em julgado. Isso vale para o senador acusado de empregar fantasmas em seu gabinete e para um cidadão comum suspeito de um crime qualquer.
A pergunta capital que se faz aos simpatizantes da “Ficha Limpa” é a seguinte: você aceitaria pagar qualquer pena antes de término de seu processo para ver um político fustigado também antes do tempo?
No agrado fácil à manipulável opinião pública, primeiro pune-se quem ainda não se provou culpado; depois rever-se-á a maioridade penal pra condenar meninos pobres de 11 ou 12 anos; mais adiante, trabalhos forçados e castigos físicos para presos e, por último, o sonho de consumo dos intolerantes – a pena de morte.
Por não ter dúvida de que a Lei Complementar 135 coloca em risco o estado de direito, e disso tenho medo que me pelo, espero que o Supremo guardião da Constituição Cidadã ponha termo neste ovo de serpente.
Em tempo: abaixo tem o artigo do Dr. Almir Moreira sobre o tema e em concordância com o nosso. Quem tiver outra opinião e quiser divulgá-la é só mandar para o e-mail: chapandre@hotmail.com, que publicaremos com o maior prazer.
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