Por: Almir Moreira - Advogado
A inoperância do Congresso Nacional ensejou a intromissão indevida do Poder Judiciário em questões que não lhe compete. Já há algum tempo o Judiciário vem emitindo opinião sobre a razoabilidade de algumas leis. Fez isso quando tratou a respeito de matéria legal a respeito da composição das Câmaras Municipais, e agora repete a mesma postura na apelidada Lei Ficha Limpa. Na verdade legisla. É aí, que reside o perigo, pois ao se imiscuir em atribuições de outro Poder passa a impressão que tudo pode, e assim a democracia vai se enfraquecendo e a Constituição sendo desrespeitada.
Esta Lei Ficha Limpa, fruto da sociedade é uma aspiração legitima. É uma forma de moralizar a política. Visa impedir a participação no pleito eleitoral daqueles que cometeram certos delitos. Isso por certo prazo. Nada mais justo. Contudo, essa Lei feita ao sabor da emoção, antes de preservar a democracia dar brecha para uma escalada para sua derrocada, pois atinge direitos fundamentais, fere de morte a Constituição e põe por terra regras sobre a edição de uma Lei. O Direito é ciência e, ciência social, com regras próprias e fundamentos consagrados para sua realização. Quando o Direito estabelecido não é respeitado a democracia é enfraquecida. E quais são os direitos previstos na Constituição que a Lei Ficha Limpa – Ficha suja contra a democracia – atinge? Ela tinge o direito da presunção de inocência, que diz: ninguém pode ser considerado culpado até o transito em julgado da sentença, melhor dizendo, alguém só pode ser considerado culpado após exaurido todos os recursos legais eventualmente manejados pelos interessados. Este direito é uma conquista da humanidade, nem sempre vivemos protegidos desta forma, isso é para preservar o direito de defesa e não permitir arbitrariedade. Ao estabelecer a Lei Ficha Limpa, que a condenação em qualquer órgão colegiado da justiça nos casos nela descritos é o suficiente para impedir o direito de ser votado, o direito da presunção de inocência previsto na Constituição é violado. Fulmina também de morte o principio de que a Lei não retroage para prejudicar. E, ainda no plano eleitoral fere outro principio consagrado na Constituição o de que Lei eleitoral só é tem validade no ano seguinte a sua edição.
A perdurar com estar – o Judiciário TSE a deu força - a nossa democracia será enfraquecida. É elementar, é básico, é fundamental nas democracias modernas o respeito aos direitos individuais e ao pactuado na Constituição Federal. O direito de participação popular nos assuntos do Estado é tão grande no ordenamento jurídico brasileiro, que a Lei Ficha Limpa pôde ser proposta. Porém, há normas para serem obedecidas, senão ficaremos ao sabor dos ventos, e aí, estaremos em campo fértil para fascistas e autoritários prosperarem.
O Judiciário – também inoperante – não pode ser refém de ninguém, e não pode ser o primeiro a solapar o Direito. A Lei Ficha Limpa é inconstitucional e uma afronta a ciência do Direito. Causa-me espécie ver uma das entidades mais lutadoras pelas liberdades, a OAB se curvar a esse surto populista autoritário.
A moralidade pública deve ser preservada, mas ela também se submete aos limites do estado de direito.
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