Idealizador da Lei da Ficha Limpa, que só nas eleições de 2014
impugnou 500 candidaturas no país, o juiz maranhense (mesmo tendo nascido no
Tocantins) Márlon Reis considera incabível o impeachment da presidente Dilma
Rousseff. O magistrado argumenta que um pedido baseado em falhas
administrativas, a despeito da sua gravidade, não justifica a perda do mandato.
Para o juiz, a melhor solução é o julgamento da chapa de Dilma e
Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral, não importando o resultado.
À Folha, o magistrado diz ainda concordar com a atuação do
juiz Sérgio Moro na condução da Operação Lava Jato e elogia o instrumento da
delação premiada.
No atual cenário, cabe o
impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Eu vejo dois graves problemas. Do ponto de vista constitucional,
não há cabimento para o pedido, porque se baseia numa falha administrativa, que
apesar de considerável, jamais poderia autorizar a destituição da titular do
mais alto cargo da estrutura da República. Não há fundamentos para que possa
ser sequer cogitado.
Na perspectiva política, há evidentemente a intenção de, através
do impeachment, dar resposta à crise política retirando do poder apenas a
presidente, quando na verdade a Presidência foi conquistada por um grupo
político, uma chapa do PT e PMDB.
Não é possível acreditar que se resolverá o problema político
cindindo uma relação que é unitária e indissolúvel.
As ações em andamento no TSE
contra Dilma e Temer têm guarida jurídica?
O Brasil inaugurou um tempo em que a Justiça passou a ser
cobrada em relação ao comportamento dos candidatos em campanha. Foi um trabalho
histórico da sociedade.
São conquistas como o movimento contra a compra de votos no
final da década de 90 e mais recentemente a Lei da Ficha Limpa. A sociedade
reconhece e legitima os tribunais eleitorais, para que eles decidam sobre os
temas relacionados à maneira como os candidatos se comportam nas campanhas
eleitorais e que eventualmente desrespeitaram alguma norma.
Por isso, o TSE tem legitimidade para decidir com relação à
candidatura da presidente, dos atos que a campanha dela possa ter praticado.
O TSE seria o caminho para um
eventual impeachment?
Quando eu afirmo que o impeachment é incabível tanto
constitucional quando politicamente, eu digo que o TSE deverá se pronunciar
sobre as alegações graves que pairam sobre como a maneira como a chapa
Dilma-Temer saiu vitoriosa. Elas são da mais alta gravidade, do possível uso de
recursos indevidos na campanha. Se isso ocorreu, competirá ao TSE decidir. O
que quero dizer é que o TSE tem toda a legitimidade institucional para tomar
uma decisão, que deverá ser respeitada, qualquer que seja ela.
Como o senhor avalia as medidas
do Ministério Público Federal de combate à corrupção?
Vi com muita simpatia. É possível questionar, ainda mais quando
se apresenta um grande número de medidas, mas a iniciativa é excelente porque
pauta o assunto das mudanças das normas sobre corrupção. O Brasil, quando toca
nesse assunto, é incapaz de andar porque o Congresso não dá o menor respaldo
para os projetos de lei em andamento sobre o tema. Então, o Ministério Público
Federal acertou porque pode pautar o assunto.
O senhor vê no cenário atual
efeitos da Lei da Ficha Limpa?
A lei tem efeitos na política atual, como o de barrar os casos
mais grosseiros, escandalosos, de pessoas envolvidas com práticas ilícitas. A
prova é que alguns candidatos que concorreram nas eleições passadas e foram
barrados na Ficha Limpa já estão agora comprometidos em ações penais, alguns
até foram presos.
Isso terá uma grande incidência nas eleições de 2016, porque a
maior clientela da Lei da Ficha Limpa está entre os candidatos a prefeito.
Quantas candidaturas foram até hoje impugnadas pela lei?
Eu conduzi pesquisas até 2009. Até então, eram 675 cassados,
cerca de 500 só entre prefeitos e vice, mais de uma centena de vereadores,
foram cinco governadores, alguns senadores, deputados estaduais e federais.
O que o senhor pensa sobre a
delação premiada?
É um instrumento moderno que tem permitido chegar a informações
que jamais seriam alcançadas sem isso. Há muita falta de dados sobre ela, que
por si só nada representa. O réu se dispõe a apresentar provas, expandindo a
investigação, e ela só é válida se essas provas forem encontradas.
Há uma ‘mitificação’ do juiz
Sérgio Moro?
A sociedade é sedenta por líderes. As pesquisas mostram que o
maior problema percebido pelos brasileiros é a corrupção. Então aparece um juiz
que toma decisões baseadas na sua convicção pessoal, e a demanda que ele
preside gera essa vontade de identificá-lo como apto a solucionar a corrupção.
Eu acredito que ele não buscou tamanha visibilidade. Ele tem feito o seu
trabalho com muita prudência.
De forma geral, o que mais
precisa ser aperfeiçoado para se combater a corrupção no Brasil?
Insisto na necessidade da reforma política. Nós não fizemos
reforma política alguma. No passado, votou-se um arremedo mais uma vez, com
mudanças até importantes, como a proibição de doações empresariais.
Também teremos mais instrumentos de transparência. Pela primeira
vez teremos a fixação de limites para gastos de campanha. Precisamos mudar
muito a maneira como votamos, especialmente na composição das casas
parlamentares. Elas fulanizam o debate político, e isso pode ser mudado com o
redesenho da estrutura das eleições brasileiras.
Quais seriam os três itens mais
urgentes da reforma política?
Nós propomos que por exemplo que nas eleições parlamentares, o
voto dado ao partido seja separado do voto dado ao candidato. Hoje o eleitor vê
apenas o candidato, não sabe que bancada ele comporá, que ideias ele defenderá,
sequer sabe se o seu candidato será de oposição ou de situação.
Se trata de uma proposta que defendemos de eleições
parlamentares em dois turnos, aproveitando os dois turnos que já existem para o
Executivo, em regra.
Votar primeiro no partido e compor uma bancada partidária, para
só depois voltar às urnas e dizer qual candidato preencherá cada uma das vagas.
Isso é uma medida simples e extremamente pedagógica.
Além disso, a necessidade de uma participação mais efetiva da
mulher na política, que não se dá no modelo atual. A mulher precisa ser
integrada no Parlamento não por uma questão de favor ou de benemerência, mas
porque se trata de uma parcela da população que está gravemente
subrepresentada.
O terceiro item é uma redução ainda mais drástica e um aumento
da transparência nas contas das campanhas. Elas precisam ser baratas, a eleição
não pode ser uma disputa financeira.
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