segunda-feira, 28 de março de 2011

A Agonizante Ficha Limpa


Por: Almir Moreira – Advogado 

A justiça tarda mais não falha, dizem. Acho que só em tardar já é uma injustiça, refiro-me ao tardar por desleixo ou por conveniência. Embora tardiamente o STF pronunciou-se a respeito da Lei alcunhada por Ficha Limpa ou Ficha suja, como queiram, aprendi que Lei tem número e não nome, e vaticinou a Lei não valeu para o pleito eleitoral passado.

Antes, cabe enforcar, a tal lei é de boa iniciativa. É a criação de um instrumento legal apto a contribuir para moralização na política. A conquista recente da democracia aliada ao crescimento econômico expansivo, mas ao mesmo tempo concentrador de riqueza contribuiu para o aumento significativo da participação de outros atores na política partidária vendo esta como um nicho de mercado. Trata-se de uma contradição inerente ao capitalismo: o estado é democrático e liberal, mas apropriado subliminarmente por um setor com vistas a continuamente se reproduzir enquanto dirigente econômico e político. Como não pode mais fazer pela força, faz através dos instrumentos e instituições do Estado, assim se elege custe o que custar prefeitos, governadores, vereadores, deputados e etc... A corrupção em seu sentido lato campeia, só através de Leis do espírito desta e de uma reforma política eleitoral profunda poderemos diminuir ou inibir este distúrbio.

Porém, isto não pode ser feito de forma atabalhoada, ninguém agarrado numa corda prestes a se partir pendurado num penhasco vai se salvar se a ele for atirado uma embira. Só outra corda renovada irá salvá-lo. A vontade de moralizar é tamanha, que de forma precipitada foi editada uma lei, que antes de proteger o bem jurídico a que se pretende, espalha insegurança jurídica por todos os lados e se não vivêssemos sob a democracia diríamos ser ela típica de regimes despóticos. 

A Lei menor não pode contrariar a maior, elas precisam estar em consonância. Neste sentido, a tal “ficha limpa” nasceu agonizante, de uma tacada só atingiu princípios básicos previstos da lei maior, a Constituição, como: principio da presunção de inocência, ninguém pode ser considerado culpado até que tenha transitado em julgado a sentença sobre seu caso, a lei não pode retroagir para prejudicar ou no caso eleitoral a lei só é válida um ano após sua edição, principio da anualidade. Afora outros aspectos questionáveis, majoração do prazo de inelegibilidade e inelegibilidade para os profissionais punidos com pena máxima por suas entidades de categoria (classe), por exemplo.

Foi neste contexto, sua flagrante inconstitucionalidade, que propiciou a rebelião de alguns do mundo jurídico e político. Nada mais se fez ao não ser gritar pelo respeito à Constituição, pois a vigência dessa lei pode abrir brechas na estrutura constitucional e provocar a edição de outras não menos casuísticas. A Constituição é o verdadeiro pacto social, e a nossa trouxe avanços inimagináveis que merecem a proteção de todos nós, principalmente dos que atuam no campo democrático, ela é a nossa real proteção contra o abuso de poder e a falta de liberdades ocorrida ao longo da Colônia e da República. O STF ainda não decidiu por completo, não se posicionou sobre outras questões relativas à constitucionalidade, mas já a freou e interrompeu seus efeitos para o pleito passado, o fez tarde, mas fez.  A pressa ou a hipocrisia por setores da sociedade, ao invés de contribuir para a moralização e reativar a esperança no Povo contribuíram para desanimá-lo, o senso comum é o de que tudo não tem jeito mesmo. Basta uma derrapada para se pensar assim. O espírito da Lei é bom, pode fazer parte de um arsenal legal para moralização da política, mas é necessário percorrer o caminho legal, apoiado no que diz a própria democracia para que a insegurança jurídica não ganhe corpo.

Nós desde o inicio comentávamos sobre o tema, não fomos com a turma “Maria vai com as outras”, Alexandre Pinheiro foi corajoso em levantar o debate e expor sua posição, e continuamos a dizer há inconstitucionalidade em outros aspectos da lei. Lamento entidade do naipe da OAB rasgar a Ciência do Direito, deixar de ser fração mais resoluta do movimento social estabelecido para este fim e correr atrás de padre, sindicalista e ingênuo de todo tipo. A sociedade não pode e não deve sentir-se derrotada, ao contrário, postulado democrático assentado na Constituição foi reconhecido, e a Lei em si, embora de técnica jurídica capenga, vai terminar por ser reformulada para aí sim, atingir o fim a que se propõe.

Um comentário:

Herbert Lago Castelo Branco disse...

No debate sobre a Lei de Ficha Limpa no STF pudemos assistir quão capazes e independentes são os ministros daquela corte, inclusive o Fux, que, a despeito de se tratar de lei de iniciativa popular, não jogou para a plateia. Mas quanto isso custou em recursos, tempo disperdiçado e frustração da própria sociedade, que se sentia a mãe da lei? Pelo visto, tanto a Comissão de Constituição e Justiça do Senado quanto, em geral, outras do parlamento brasileiro, são desprovidas de qualificação para análise de projetos mais complexos. É só olhar a imensidão de leis já vigendo consideradas inconstitucionais. Mais prudente seria, doravante, o encaminhamento das leis mais importantes aos tribunais competentes, objetivando uma manifestação técnica antes de suas sanções