Por: Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Há coisas na cultura política que sobrevivem sem que se saiba o porquê. Ninguém faz nada para mudá-las, embora não exista uma única razão para que continuem a ser como são.
Um bom exemplo é o modelo de propaganda eleitoral que temos. A combinação de “horário eleitoral” e “inserções”, a que chegamos já lá vão mais de 15 anos, é algo que desagrada aos dois personagens fundamentais do processo eleitoral. Eleitores e candidatos não gostam dele com quase a mesma intensidade, ainda que por razões diferentes.
Durante os últimos 45 dias de campanha, nos anos em que há eleições nacionais e estaduais, a legislação reserva aos candidatos 50 minutos na hora do almoço e outros tantos à noite para que façam propaganda, de segunda a sábado, três vezes por semana. No segundo turno, no mínimo 20 e, no máximo, 40 minutos (se houver eleição para presidente e governador), nos dois horários. Mas os programas são diários, e sequer aos domingos são interrompidos.
Este ano, Dilma e Serra tiveram, apenas no mês de outubro, 22 dias de propaganda, com um total de 440 minutos de horário eleitoral para cada um, ou seja, sete horas e 20 minutos de televisão. No primeiro, como Dilma tinha uma coligação maior, seu tempo superava o de Serra: somando as veiculações da tarde e da noite, ela teve cerca de seis horas à disposição, ele cinco. No total, portanto, a petista foi a perto de 13 horas e o tucano de 12, sem contar as inserções.
Se existisse alguém que visse tudo isso, seria como se um espectador se sentasse na frente da televisão (ou em uma sala de cinema) para ver sete filmes de longa metragem (talvez oito, se não fossem muito grandes). Daria para ver, por exemplo, a trilogia inteira do Senhor dos Anéis e ainda sobraria tempo para o último Harry Potter. Para que não fiquemos estrangeiros demais: daria para assistir sete vezes seguidas Tropa de Elite 2.
Com as inserções, esse tempo quase dobra, lembrando que, se a pessoa tiver o hábito de mudar de canal, a conta pode ir ainda mais longe. Conforme sua sorte (ou falta de sorte), pode pegar, na mesma hora, comerciais dos candidatos em várias emissoras. Ou seja, as 13 horas de Dilma poderiam ultrapassar 20 ou mesmo ir além. E Serra não ficaria muito atrás.
Não passa pela cabeça de ninguém que existam eleitores que, na vida real, sofram tanto. De fato, como mostram as pesquisas, metade deles chega ao final da campanha sem ter visto mais que um ou dois programas, e algumas inserções, das quais mal se lembram. Mas é isso que a legislação lhes reservou. Se não forem espertos e desligarem correndo a televisão (ou se não encontrarem coisas melhores para fazer), essa montanha de horas será despejada sobre eles.
É evidente que só eleitores com um gosto muito peculiar podem ficar satisfeitos com algo assim. E não há candidato que ache bom pagar o custo que isso tem.
Depois dos eleitores, os candidatos são os que mais reprovam o atual modelo. Não só é caro (como mostra a prestação de contas das campanhas, que, aliás, raramente é completa), como exige que toda sua agenda seja subordinada aos horários de gravação.
Especialmente na reta final, eles são forçados a uma rotina estafante, de viagens e contatos ao longo do dia e intermináveis horas de estúdio à noite. No segundo turno, nem se fala: com a obrigação de por no ar um programa novo, de dez minutos, duas vezes ao dia, o marqueteiro vira um ditador.
Se eleitores e candidatos não gostam (para usar um eufemismo) da fórmula vigente, será que os profissionais das campanhas a defendem? Considerando que são pagos para fazer o que ela prescreve, seria até normal.
Não há, porém, sequer um bom marqueteiro que a considere adequada. Sempre que solicitados, mostram-se favoráveis à sua revisão e apresentam sugestões que poderiam ser incorporadas a qualquer novo arranjo que o sistema político encontrar.
O certo é que o modelo brasileiro de propaganda eleitoral não funciona mais (se é que foi bom algum dia). Podemos fazer mais uma, duas eleições com ele. Mas está mais que na hora de reformá-lo.
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