Há mais de três séculos, um pequeno riacho fugia dos franceses. Depois, os portugueses também não conseguiam prendê-lo. Algum patrício desenhava seu curso algum dia, e na noite daquele dia o rio escapava e se punha a correr por outros rumos.
Perto de 1800 e alguma coisa, foi caçado. A nova Ilha cresceu cravada em suas margens, para que nunca mais fugisse. No final do século dezenove, começou a civilização do selvagem obrigando-o a fluir humilhado entre muros e asfaltos.
Certa manhã de 2011, quando o córrego levava muito tempo portando-se bem, a cidade amanheceu com os pés molhados. Foi um jeito feio de acordar. Avenidas afogavam, transbordados os porões. O arroio domado tinha se desatado, e não havia meios para de detê-lo: brotava pelos poros das paredes, em gotas primeiro e em jorros depois, até que avançou contra a cidade e inundou suas ruas.
Após alguns dias de estio, o rebelde foi vencido.
Desde então a cidade dorme com um olho aberto.
Adaptado do conto “O Rio”, de Eduardo Galeano.
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