Por:
Anaximandro Cavalcanti – Psicólogo
Nesta ultima semana fomos tomados por um
acontecimento cruel, que por si só já causa sofrimento, (a morte de 09 irmãos
chapadinhenses). Mas infelizmente sádicos de plantão fazem questão de revivê-lo
e passá-lo adiante em seus celulares e em suas comunidades virtuais. Nada
contra com quem gosta de ver cenas de horror, mas divulgar de forma
irresponsável estas imagens e vídeos extremamente fortes e chocantes para uma
criança de 05 anos é no mínimo um ato de barbárie.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê:
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será
objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou
omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 6º Na interpretação desta Lei
levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem
comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Como vemos, o artigo 5º fala que, nenhuma
criança será objeto de violação e crueldade. Ora; não é uma crueldade expor uma
criança a cenas tão fortes que até mesmo adultos sentem-se mal a ponto de
vomitar. E no artigo 6º fala da condição peculiar da criança como pessoa em
desenvolvimento. Eu como psicólogo sei dos riscos de expor uma criança a tal
realidade. Mas não vim falar de psicologia, nem de direitos da criança, vim
pedir em nome delas, das crianças; se vocês não respeitam os familiares dessas
pessoas que estão passando por um momento que com certeza é o mais doloroso de
suas vidas, pensem em seus filhos que estão sendo expostas a tais imagens.
Vocês estão acabando com a inocência delas, estão roubando-lhes o período da
vida mais belo que é a infância, estão negando a elas o direito de sonhar e
brincar. Não transformem seus filhos em pessoas amarguradas e inseguras no
futuro. Não interfiram de forma tão nefasta em seus mundos, já não basta o que
fizemos com o nosso? Em nossa sociedade chapadinhense, outrora pacata, existe
agora um silencioso conflito social político e religioso, só perceptível aos
mais sensíveis, nosso contato diário com a violência esta fazendo como que a
encaremos de forma cada vez mais banal. Não precisamos de mais doentes para
discernir a maldade e a violência em um meio onde no momento só deve haver
sonho, proteção e carinho. Crianças não são preparadas para isso, nós mesmos
não somos. Essas pessoas não são tomadas pelo horror, abrigam dentro delas
impulsos selvagens que levam ao assassinato, à tortura e à guerra.
Nós não vivemos na Idade Média, mais
especificamente no período da Santa Inquisição, onde os aparelhos de tortura
deveriam infligir o máximo de dor à vitima, e as execuções eram realizadas em
praças públicas, mas nos comportamos como tais. Na época era comum, pessoas
pagarem para assistirem cenas de tortura. Infelizmente essa mesma atração pelo
“sinistro” que levavam as pessoas às praças assistirem esses julgamentos pode
ser percebida hoje em dia quando um acidente trágico como este vira outra coisa
muito diferente de solidariedade e amor.
Este ímpeto para a contemplação do horror,
pode ter raízes na infância. O mundo de um bebê é repleto de vivencias de
terror. Sobreviver em um mundo onde se é inteiramente dependente de algo ou alguém
que nem sequer se conhece é um exemplo de horror. Cada fome, ou outro
desconforto qualquer, representa a essa vida que acaba de se iniciar nas
experiências de viver (o bebê) algo aterrorizante, antes de tudo gerador de
agressividade, pelo próprio instinto de auto-preservação. O momento do
nascimento é em si uma catástrofe na vida do bebê, ele deixa de viver no mundo
aquático e seguro do útero e tem que aprender a viver num mundo aéreo e
inseguro. Daí por diante, inúmeras serão as situações em que o mundo lhe
cobrará independência.
A percepção e reconhecimento dos componentes
de desejos primitivos que habitam nossa mente causam sempre um desconforto, e
muitas vezes repulsa. Nesse caso, não se admite desejar algo que na verdade se
deseja. Nossos desejos profundos trazem um duplo sentimento. Desejamos e o
mundo (pelo qual necessitamos ser aceitos) nos diz que não. Assim, se partimos
do principio que o ser humano se aproxima de pessoas e coisas por
identificação, temos um insight quanto ao entendimento do ímpeto à contemplação
do horror. O ato perverso de se deleitar com o terror está de uma forma tão
oculto em nós que nos impossibilita perceber que ele habita em nós mesmos. Está
explicito, porém, com a condição que esteja só no outro, que só o outro o
tenha.
Meus mais sinceros sentimentos a todos os
familiares.
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