terça-feira, 27 de setembro de 2011

Os Sádicos de Chapadinha



Por: Anaximandro Cavalcanti – Psicólogo 

Nesta ultima semana fomos tomados por um acontecimento cruel, que por si só já causa sofrimento, (a morte de 09 irmãos chapadinhenses). Mas infelizmente sádicos de plantão fazem questão de revivê-lo e passá-lo adiante em seus celulares e em suas comunidades virtuais. Nada contra com quem gosta de ver cenas de horror, mas divulgar de forma irresponsável estas imagens e vídeos extremamente fortes e chocantes para uma criança de 05 anos é no mínimo um ato de barbárie. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê: 

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. 

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. 

Como vemos, o artigo 5º fala que, nenhuma criança será objeto de violação e crueldade. Ora; não é uma crueldade expor uma criança a cenas tão fortes que até mesmo adultos sentem-se mal a ponto de vomitar. E no artigo 6º fala da condição peculiar da criança como pessoa em desenvolvimento. Eu como psicólogo sei dos riscos de expor uma criança a tal realidade. Mas não vim falar de psicologia, nem de direitos da criança, vim pedir em nome delas, das crianças; se vocês não respeitam os familiares dessas pessoas que estão passando por um momento que com certeza é o mais doloroso de suas vidas, pensem em seus filhos que estão sendo expostas a tais imagens. Vocês estão acabando com a inocência delas, estão roubando-lhes o período da vida mais belo que é a infância, estão negando a elas o direito de sonhar e brincar. Não transformem seus filhos em pessoas amarguradas e inseguras no futuro. Não interfiram de forma tão nefasta em seus mundos, já não basta o que fizemos com o nosso? Em nossa sociedade chapadinhense, outrora pacata, existe agora um silencioso conflito social político e religioso, só perceptível aos mais sensíveis, nosso contato diário com a violência esta fazendo como que a encaremos de forma cada vez mais banal. Não precisamos de mais doentes para discernir a maldade e a violência em um meio onde no momento só deve haver sonho, proteção e carinho. Crianças não são preparadas para isso, nós mesmos não somos. Essas pessoas não são tomadas pelo horror, abrigam dentro delas impulsos selvagens que levam ao assassinato, à tortura e à guerra. 

Nós não vivemos na Idade Média, mais especificamente no período da Santa Inquisição, onde os aparelhos de tortura deveriam infligir o máximo de dor à vitima, e as execuções eram realizadas em praças públicas, mas nos comportamos como tais. Na época era comum, pessoas pagarem para assistirem cenas de tortura. Infelizmente essa mesma atração pelo “sinistro” que levavam as pessoas às praças assistirem esses julgamentos pode ser percebida hoje em dia quando um acidente trágico como este vira outra coisa muito diferente de solidariedade e amor. 

Este ímpeto para a contemplação do horror, pode ter raízes na infância. O mundo de um bebê é repleto de vivencias de terror. Sobreviver em um mundo onde se é inteiramente dependente de algo ou alguém que nem sequer se conhece é um exemplo de horror. Cada fome, ou outro desconforto qualquer, representa a essa vida que acaba de se iniciar nas experiências de viver (o bebê) algo aterrorizante, antes de tudo gerador de agressividade, pelo próprio instinto de auto-preservação. O momento do nascimento é em si uma catástrofe na vida do bebê, ele deixa de viver no mundo aquático e seguro do útero e tem que aprender a viver num mundo aéreo e inseguro. Daí por diante, inúmeras serão as situações em que o mundo lhe cobrará independência. 

A percepção e reconhecimento dos componentes de desejos primitivos que habitam nossa mente causam sempre um desconforto, e muitas vezes repulsa. Nesse caso, não se admite desejar algo que na verdade se deseja. Nossos desejos profundos trazem um duplo sentimento. Desejamos e o mundo (pelo qual necessitamos ser aceitos) nos diz que não. Assim, se partimos do principio que o ser humano se aproxima de pessoas e coisas por identificação, temos um insight quanto ao entendimento do ímpeto à contemplação do horror. O ato perverso de se deleitar com o terror está de uma forma tão oculto em nós que nos impossibilita perceber que ele habita em nós mesmos. Está explicito, porém, com a condição que esteja só no outro, que só o outro o tenha. 

Meus mais sinceros sentimentos a todos os familiares.

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