Viver É Desenhar Sem Borracha.
Millôr Fernandes
O escritor carioca Millôr Fernandes morreu, às 21h desta
terça-feira (27), em casa, no bairro de Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Segundo Ivan Fernandes, filho do escritor, ele teve falência múltipla dos
órgãos e parada cardíaca. Millôr tinha dois filhos, Ivan e Paula, e um neto,
Gabriel. Ele foi casado com Wanda Rubino Fernandes. De acordo com sua certidão,
Millôr nasceu no dia 27 de maio de 1924, embora ele dissesse que a data correta
era 16 de agosto do ano anterior.
De acordo com a família, o velório está
marcado para esta quinta-feira (29), das 10h às 15h, no Cemitério Memorial do
Carmo, no Caju, na Zona Portuária do Rio. Em seguida, o corpo será cremado numa
cerimônia só para a família.
Em 2011, o escritor chegou a ser internado duas vezes na Casa de Saúde São José, no Humaitá,
Zona Sul. Na época, a assessoria do hospital não detalhou o motivo da
internação a pedido da família.
Nascido no bairro do Méier, Millôr sempre fez piada em relação
ao seu registro de nascimento. Costumava brincar que percebeu somente aos 17
anos que o seu nome havia sido escrito errado na certidão: onde deveria estar
Milton, leu “Millôr” (o corte da letra “t” confundia-se com um acento
circunflexo, e o “n” com um “r”). Seja como for, gostou do novo nome e o
adotaria a partir de então. “Milton nunca foi uma boa escolha”, comentaria anos
mais tarde, durante uma entrevista. A data de nascimento também não estaria
correta: em vez de 27 de maio de 1924, ele teria nascido em 16 de agosto do ano
anterior.
Desenhista, tradutor, jornalista,
roteirista de cinema e dramaturgo, Millôr foi um raro artista que obteve grande
sucesso, de crítica e público, em todas as áreas em que se atreveu trabalhar.
Ele, que se autodefinia um “escritor sem estilo”, começou no jornalismo em
1938, aos 15 anos, como contínuo e repaginador de “O Cruzeiro”, então uma
pequena revista. Ele retornou à publicação em 1943 ao lado de Frederico
Chateaubriand e a tornou um sucesso comercial. Lá, criou a famosa coluna
“Pif-Paf”, que também teria desenhos seus.
Em 1948, viajou para os Estados Unidos e conheceu Walt Disney.
“Nessa época eu ainda acreditava que Disney sabia desenhar. Só mais tarde,
lendo sua biografia, aprendi que até aquela assinatura bacana com que ele
autentica os desenhos é criação da equipe”, provoca, na autobiografia que
escreveu em seu site. No ano seguinte, Millôr assinou seu primeiro roteiro
cinematográfico, “Modelo 19", e já foi logo agraciado com o Prêmio
Governador do Estado de São Paulo, criado na década seguinte.
O início dos anos 50 seria importante na
vida do autor, tanto pessoal quanto profissionalmente. Na companhia do também
escritor Fernando Sabino, fez uma viagem de carro pelo Brasil, com duração de
45 dias. Em 1952, seria a vez da Europa, por onde permaneceria quatro meses. Um
ano depois, veria a estreia de sua primeira peça de teatro, "Uma mulher em
três atos", no Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo.
E foi no teatro, como dramaturgo, que
Millôr mais colecionou prêmios. Como em ”Um elefante no caos”, em 1960. Anos
depois, diria em seu site: “Foi transformada num excelente espetáculo pela
genial direção de João Bittencourt. Uma das poucas vezes que um diretor
melhorou um trabalho meu”.
Também no teatro foi um tradutor prolífico
e importante. Clássicos como “Rei Lear”, de William Shakespeare, a moderna “As
lágrimasaAmargas de Petra von Kant”, de Fassbinder, ou o musical Chorus Line,
de James Kirkwood e Nicholas Dante, chegaram aos palcos brasileiros através de
suas mãos. "Ao traduzir é preciso ter todo o rigor e nenhum respeito pelo
original”, diria em uma entrevista.
Como roteirista, escreveu mais de uma dezena de texto, dentre
eles o longa “Terra estrangeira”, e “Memórias de um sargento de milícias”,
adaptação da obra de José Manuel de Macedo produzida pela Rede Globo de Televisão.
Também roterizou espetáculos musicais, como o musical “Liberdade liberdade”,
escrito em parceria com Flávio Rangel, e “Do fundo do azul do mundo”, ao lado
de Elizeth Cardoso e do Zimbo Trio.
Recebeu uma homenagem durante o carnaval
carioca de 1983, quando foi samba-enredo da Escola de Samba Acadêmicos do
Sossego, de Niterói (RJ). Millôr, inclusive, compareceu ao desfile.
Dentre os veículos de imprensa, colaborou
ainda com artigos e crônicas nos jornais “O Correio Brasiliense”, “Jornal do
Brasil”, “O Estado de São Paulo”, “O Diário Popular”, “Correio da Manhã”, “O
Dia”, “Folha da Manhã” e “Diário da Noite”. Para internet, criou o site “Millôr
Online”, sobre o qual diria posteriormente: “Se eu soubesse o que atrai tanta
gente, nunca mais faria de novo”.
E, como bom roteirista, ainda escreveria sobre a própria vida:
"Meu destino não passa pelo poder, pela religião, por qualquer dessas
entidades idiotas. Meu script é original, fui eu quem fez. Por isso não morro
no fim".
G1
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